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quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Cultura Brasileira


"A Sentença já foi proferida. Saia de casa e cruze o Tabuleiro pedregoso. Só lhe pertence o que por você for decifrado. Beba o Fogo na taça de pedra dos Lajedos. Registre as malhas e o pêlo fulvo do Jaguar, o pêlo vermelho da Suçuarana, o Cacto com seus frutos estrelados. Anote o Pássaro com sua flecha aurinegra e a Tocha incendiada das Macambiras cor-de-sangue. Salve o que vai perecer: O Efêmero sagrado, as energias desperdiçadas, a luta sem grandeza, o Heróico assassinado em segredo, O que foi marcado de estrelas - tudo aquilo que, depois de salvo e assinalado, será para sempre e exclusivamente seu. Celebre a raça de Reis escusos, com a Coroa pingando sangue; o Cavaleiro em sua Busca errante, a Dama com as mãos ocultas, os Anjos com sua espada, e o Sol malhado do Divino com seu Gavião de ouro. Entre o Sol e os cardos, entre a pedra e a Estrela, você caminha no Inconcebível. Por isso, mesmo sem decifrá-lo, tem que cantar o enigma da Fronteira, a estranha região onde o sangue queima aos olhos de fogo da Onça-Malhada do Divino. Faça isso, sob pena de morte! Mas sabendo, desde já, que é inútil. Quebre as cordas de prata da Viola: a Prisão já foi decretada! Colocaram grossas barras e correntes ferrujosas na Cadeia. Ergueram o Patíbulo com madeira nova e afiaram o gume do Machado. O Estigma permanece. O silêncio queima o veneno das Serpentes e, no Campo de sono ensangüentado, arde em brasa o Sonho perdido, tentando em vão reedificar seus Dias, para sempre destroçados."(Romance d'A Pedra do Reino - Livro III - Folheto XLIV - A Visagem da Moça Caetana)

Inúmeras vezes já deixei clara a minha preferência por temas populares na literatura brasileira. Ariano Suassuna torna universal a riqueza dos mitos, mistérios e revelações da cultura nordestina ao desenvolver, com extrema habilidade narrativa e poética, temas essencialmente humanos como vida e morte, sagrado e profano, justiça e injustiça.

"A Moça Caetana remete ao mito da Onça Caetana. Segundo Nogueira (2002 p36), A onça é o animal mitológico mais importante, identificado com a morte violenta que, no sertão, é chamada Caetana. Trata-se de uma divindade tapuia-sertaneja, que, de acordo com Suassuna (1977 p11), é “bela, imortal e eternamente jovem, dotada daquela beleza ao mesmo tempo cruel, terrificante e fascinadora que é própria de sua hierarquia divina.”
Outras informações no blog Literatura Cearense da Prof. Aíla Sampaio aqui.

Tornar conhecida a obra de Ariano Suassuna é um passo para a valorização da cultura brasileira. Foi exatamente isso que fez, sem querer, meu amigo professor de Biologia durante o conselho de classe de hoje. Detentor de uma memória prodigiosa e vasta cultura, rabiscou o trecho em destaque, ilustrou e deixou em minha mesa. Indaguei de quem eram os “versos”, E ele: “São de Suassuna.” Sonoridade até na resposta! Estou achando meio macabro, pois culturalmente ainda não abandonei as superstições, mas...a cruz é meu guia.

Leia abaixo trechos da aula-espetáculo, uma das etapas do ciclo de palestras realizado pela Tribuna Livre do Departamento Cultura da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro em maio do ano passado(antes tarde do que nunca). Para saber mais clique aqui.

"Machado de Assis dizia que existiam dois países dentro do Brasil, o país oficial e o Brasil real. O país real seria bom, revelaria os melhores instintos, mas o Brasil oficial não passaria de algo caricato, burlesco. Talvez ele tenha exagerado um pouco. O Brasil oficial tem alguma coisa que presta; há pessoas dentro dele que têm consciência dessa dilaceração terrível que o país vive. O Brasil oficial, ao qual nós pertencemos, tem a obrigação de chamar a atenção para essa realidade. Eu, por exemplo, procuro fazer uma fusão desses dois países."
"Não existe comunidade que não tenha arte. O problema do homem da caverna é estético, do mesmo jeito que o nosso."
"Quando li 'Os Irmãos Karamazov', de Dostoiévski, encontrei uma frase que foi decisiva para mim. Lá estava escrito que se Deus não existisse tudo era permitido. Eu achava que nem tudo era permitido, então pensei, isso quer dizer que Deus existe. "
"Eu acho que existem, na alma humana, dois hemisférios: o 'hemisfério Rei' e o 'hemisfério Palhaço'. No 'hemisfério Rei', eu coloco tudo o que há de mais elevado e nobre. Se a pessoa exarcerbar o 'hemisfério Rei', ela cai numa excessiva crueldade, torna-se uma pessoa autoritária. Um rei com Felipe II não tinha nada de 'hemisfério Palhaço' - e chegou a matar o próprio filho por causa da disputa de poder, uma mostruosidade. É o 'hemisfério palhaço' que equilibra o 'hemisfério rei', e isso se dá através do riso."
É ou não é um GÊNIO este Suassuna?

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Folclore

Muitos livros espalhados pelas mesas, uma dose de alegria e uma pitada de boa vontade foram suficientes para reavivar a memória e inundar a sala de leitura com cantigas de roda e de ninar, parlendas, adivinhas, trava-línguas, adivinhas e quadrinhas populares.

Olhinhos atentos e risadas gostosas prepararam para o próximo passo: a apresentação de personagens da mitologia brasileira tão esquecidos e até desconhecidos da criançada. Neste momento, entraram em cena dois livros da trilogia escrita por Luciana Garcia e ilustrada por Roger Cruz: O mais misterioso do folclore e O mais assustador do folclore, Editora Caramelo/ Siciliano. O primeiro, O mais legal do folclore, desapareceu inexplicavelmente há algum tempo! Não é o Saci que esconde objetos? Todos os livros, além de apresentarem os fantásticos mitos do folclore brasileiro, são histórias interativas em que o leitor participa do processo de investigação a fim de desvendar mistérios.


A loura do banheiro, A moça de branco, a Cuca, o Chupa-cabra e Cabra-cabriola sempre assustam e fazem sucesso, mas os desconhecidos Labatut, Gorjala, Pernafina, Tutu, Zumbi, Quibungo e Pisadeira arrepiaram e provocaram risadas e desconfiança de alguns: "É verdade, tia?" Os mais crédulos dizem que já viram, mas o humor da narrativa de Luciana Garcia quebra o clima de terror. Percebe-se também a identificação com os desenhos do experiente Roger Cruz, autor e desenhista de HQs como X-Men.



Seria interessante ler a entrevista que a escritora e jornalista concedeu à revista Ciência Hoje aqui. O ilustrador mantém atualizados seus blogs e sites. É só acessar o principal aqui e vocês vão descobrir o seu fantástico trabalho. Quando tem tempo, ele agradece e responde.
O mais gratificante é receber o elogio na saída da escola: "Fátima, as crianças adoraram as histórias de terror que você contou!" Tomara que durmam com os anjos!

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Sylvia Orthof


A PESTE QUE EU FUI OU... AI, QUE FALTA DE SAUDADES DOS MEUS OITO ANOS!
A bicicleta era uma só. Era uma velha bicicleta, meio desconjuntada, pintada de "azul cheguei" e, SOBRETUDO, era minha. Os adultos queriam jogar bridge, ou sei lá, enfim, não desejavam crianças na sala, sobretudo, também, por causa do bridge. Então, os adultos diziam assim:
- Vão andar de bicicleta, queridinhas!
Eu ficava uma fera. Andar na MINHA bicicleta, sair da MINHA CASA e fingir, sobretudo, que não percebia o outro jogo do MEU pai!
A amiga, naqueles tempos passadíssimos, era gorda. Minha obrigação era levá-la no selim. Lá ia eu, curtindo meu ódio, levando a gorducha e bonita e rosada e louçã e... pois é!
Eu morava na Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio. Naquele tempo quase não havia automóvel por ali, lugar ideal para levar a gorda, bonita, rosada e louçã, no selim, enquanto eu, magra, arrepiada e exausta, suava, nhec, nhec, pedalando a MINHA bicicleta... a gorda, só tomando brisa, cantarolava, louçã.
Aí, eu vi um paralelepípedo muito atraente, fora do lugar, no caminho. O paralelepípedo, de um lado, o buraco do outro, com muito lugar ainda para a bicicleta passar, sem problemas.Foi quando eu perguntei para a louçã:
- Você gostaria de morrer caindo naquele buraco, ou preferiria fraturar o nariz naquela pedra? Escolha, queridinha, porque eu vou fazer com que você odeie bicicletas para o resto da sua vida!
...

Sylvia Orthof

Estava guardando este texto, isto é, trecho, desde que o encontrei na velha estante da minha “casa contadora de histórias”, onde ainda estão muitos livros que não cabem no meu apezinho. Lembrei-me dele como o melhor texto de literatura infantil publicado para ilustrar a perversidade infantil abordada por Elisabeth Roudinesco.
Queria homenagear Sylvia Orthof nos setenta e seis anos do seu nascimento, no próximo dia 3 de setembro, data também do aniversário do meu saudoso pai, porém não agüentei esperar. É um dos textos que compõe o esgotado livro organizado por Fanny Abramovich intitulado O Sadismo da Nossa Infância, Editora Summus. Torço pela reedição. Enquanto isso, procurem na Estante Virtual aqui. Publico o texto na íntegra assim que puder!
Para conhecer a obra da escritora visite o blog organizado pela filha Cláudia e pela neta Mariana.
E para quem ainda não foi apresentado aos meus amigos Tino e Ana Paula, Roedores de Livros, confira a Firimfimfoca, um trabalho especial dedicado às “histórias de uma fada carioca”.
Leia também a biografia escrita por Rosa Amanda Strausz aqui.
Certamente, você vai perceber que sonhar é possível pois ela viveu intensa e plenamente.


“Descobri que sempre é hora de começar algo novo, de forma inteira.”
Sylvia Orthof

domingo, 17 de agosto de 2008

Dorival Caymmi



O MAR
Dorival Caymmi


O mar quando quebra na praia
É bonito, é bonito
O mar... pescador quando sai
Nunca sabe se volta, nem sabe se fica
Quanta gente perdeu seus maridos seus filhos
Nas ondas do mar
O mar quando quebra na praia
É bonito, é bonito

Pedro vivia da pesca
Saia no barco
Seis horas da tarde
Só vinha na hora do sol raiá
Todos gostavam de Pedro
E mais do que todas
Rosinha de Chica
A mais bonitinha
E mais bem feitinha
De todas as mocinha lá do arraiá

Pedro saiu no seu barco
Seis horas da tarde
Passou toda a noite
Não veio na hora do sol raiá
Deram com o corpo de Pedro
Jogado na praia
Roído de peixe
Sem barco sem nada
Num canto bem longe lá do arraiá


Pobre Rosinha de Chica
Que era bonita
Agora parece
Que endoideceu
Vive na beira da praia
Olhando pras ondas
Andando rondando
Dizendo baixinho

Morreu, morreu, morreu, oh...
O mar quando quebra na praia



Dorival Caymmi se foi, mas deixou esta bela canção para todos que nasceram e vivem cercados pelo mar como eu. O mar é tão bonito que qualquer definição fica aquém de sua grandeza. E tão bonitas são as histórias de pescadores, mesmo as tristes como esta de Pedro e Rosinha. Oh, o mar quando quebra na praia...
Sua vontade está cumprida, Caymmi, vamos guardar no coração a música que você mesmo escolheu para ser lembrado.

domingo, 10 de agosto de 2008

Elisabeth Roudinesco



A psicanalista e historiadora da psicanálise Elisabeth Roudinesco veio à Flip para lançar seu livro A parte obscura de nós mesmos: uma história de perversos, Zahar Editores.



Sinopse



"Príncipe dos perversos, marquês de Sade defendia uma ruptura com as leis que regem a sociedade ao divulgar em seus livros a sodomia, o incesto e o crime. Rudolf Höss, o comandante de Auschwitz, contou sem reservas como se tornou o maior chacinador de todos os tempos. Liduína de Schiedam, canonizada em 1890, por décadas impôs a seu corpo terríveis sofrimentos. Neste livro, a prestigiada historiadora e psicanalista Elisabeth Roudinesco apresenta e interpreta a história dos perversos no Ocidente através de suas figuras emblemáticas: de Barba Azul e os santos místicos na Idade Média, ao fenômeno do nazismo, dos pedófilos e terroristas nos dias de hoje.

Mostra como a perversão, definida em cada época de um modo diverso, exibe o que não cessamos de dissimular: a parte obscura de nós mesmos, a negatividade presente em cada um. E ainda reflete sobre a sua erradicação. Eliminar a perversão não seria destruir a distinção entre bem e mal que fundamenta a civilização?"

A naturalidade usada para falar de um tema tão difícil e tenso deixou-me boquiaberta e deslumbrada. Parecia comentar fatos cotidianos. Coisas de psicanalista, ponderei. No mesmo momento, pensei na calma (aparente) da população que convive diariamente com soldados, oficiais ou não,armados na rua . Parece que a gente se acostuma com o que não devia.

Ao abordar a perversidade infantil, lembrei-me do desespero de um gatinho correndo pelo quintal com o rabinho em brasa. Já chegara doente, mas foi eliminado pelo menininho mau, com direito à enterro e cruz! Sem falar das brincadeiras inocentes com a atiradeira ,da espontaneidade dos apelidos maliciosos e do riso fácil diante dos tombos provocados. A literatura aborda amplamente estes e outros temas relacionados ao lado ignorado, oculto e perverso dos humanos.

A Flip é uma festa literária, mas interdisciplinar e abre uma série de leituras possíveis. Aproveite.

A entrevista de Elisabeth Roudinesco ao programa Saia Justa no canal GNT pode ser vista aqui.

Veja também a cobertura da TV UOL abaixo .


terça-feira, 5 de agosto de 2008

Elias José

"A poesia pede passagem"

E os anjos do céu brincam

embalados pela "ciranda brasileira"

na companhia de Elias José.

Certamente, o Criador reservou uma morada para quem acreditava que "a escola virou morada do inventor!"

Crédito da foto: http://tercaeucontopravoce.blogspot.com/

domingo, 3 de agosto de 2008

Neil Gaiman






Durante a Flip, fiquei impressionada e satisfeita com a maior fila de autógrafos que já pude presenciar. Refiro-me ao lançamento do livro Coisas Frágeis, Ed. Conrad, do escritor inglês Neil Gaiman. Famoso pela série em quadrinhos Sandman, sua palestra começou às dez horas e às dezoito , sempre acompanhado de sua filha, ainda recebia seus inúmeros fãs de todas as idades, mas principalmente adolescentes e jovens. Passei pela fila várias vezes para autografar The Dangerous Alphabet, mas desistia. Uma loucura!





Comecei minhas leituras visuais pelas histórias em quadrinhos aos quatro anos. Como toda criança de “classe pouco favorecida”, ganhava alguns livros que lia e relia. Felizmente, sou de uma geração que ouvia muitas histórias, mas quando o prazer se tornou hábito saía à caça de quem pudesse me emprestar livros. A leitura se tornou obrigatória quando ingressei no Ensino Normal, atual Formação de Professores, mas já era leitora fluente. Saudosistas consideram que há necessidade daquela lista de livros de leitura obrigatória para o vestibular. Não vejo assim. Acredito que são realmente fundamentais e essenciais, mas literatura é prazer e, se não perceberem que é preciso conquistar novos leitores, estaremos fadados a uma geração sem criatividade, sem iniciativa e incapaz de produzir histórias originais, até para uma mídia de qualidade. Ninguém precisou de lista para ler Gaiman, por isso, minha satisfação com a fila do escritor.





Seu livro mais conhecido, nas estantes das escolas municipais, é Coraline, Ed. Rocco, por fazer parte do pacote do PNBE 2006.



“Neil Gaiman cria em Coraline uma rival contemporânea para a Alice de Lewis Carroll. Usando com habilidade elementos consagrados do gótico e do terror, ele constrói uma atmosfera surpreendente, em que a tensão nasce delicada combinação de filosofia, psicologia, deliciosas citações de Charles Addams, Edgard Allan Poe e O bebê de Rosemary, e uma simplicidade poética invulgar. Aqui as palavras são cristalinas, mas o efeito é devastador.”


Não é que Pierre Bayard tem razão. Acabo de falar de um livro que não li!


Neil Gaiman mora nos Estados Unidos e é autor de Neverwhwre, Good Omens, Angels e Visitations, The days I swapped my dad for two goldfish e já recebeu inúmeros prêmios por eles. Começou como jornalista porque os editores recusavam seus livros. Possui um blog desde 2000 e, durante o período em que esteve no Brasil, escreveu vários textos sobre o país e a Flip. Ainda não li, pois é preciso tempo para traduzir usando o Babel Fish! Nestas horas dou razão ao Jarbas, do Boteco Escola que me diz que ainda há tempo para fazer um curso de inglês, mas cadê tempo e memória? Clique nos títulos abaixo para ler os posts:

Brazeeeeeel....

Now, when twilight dims the sky above...

The morning found me miles away...

With still a million things to say...

Then, tomorrow was another day...

Return I will to Old Brazil.

misc. stuff

For a Good Cause

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