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quarta-feira, 29 de abril de 2009

Como escrever uma crônica

Procurava um texto sobre como escrever crônicas. A clássica “A Última Crônica” do saudoso Fernando Sabino sempre foi muito usada em minhas aulas. Foi por acaso que encontrei “Cumequié” do escritor Joaquim Ferreira dos Santos, uma sugestão do Noblat, publicada em 2007 no jornal O GLOBO. Na seção Biblioteca, você encontra Crônicas e, se tiver nome e senha cadastrados, pode ler algumas pérolas dos melhores cronistas da atualidade. Com alguns livros publicados, é autor de “Em Busca do Borogodó Perdido”(Objetiva), uma reunião de suas melhores crônicas.
Cumequié!?

Eu preferiria estar nadando em Fernando de Noronha, abraçado aos meus irmãos golfinhos e recitando baixinho a oração de São Francisco em seus ouvidos loucos. Já que ninguém me convidou para tanto, aceitei ir à Festa Literária de Paraty, nas férias de julho, dar uma oficina de crônicas. Sejamos francamente lusitanos. Ninguém tem idéia muito exata do que se trata e imagino que lá em cima, numa nuvem qualquer de torresmo mineiro, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Otto Lara Resende estejam se cutucando nas barrigas — "Cuméquié?" — e gargalhando com a novidade.
No passado fomos um país de técnicos de futebol, hoje, é só olhar a internet. Pululam os cronistas. São os sucessores da geração-mimeógrafo, a que nos anos 70 encheu o país de poesia. Com o sexo livre de agora, as meninas menos relutantes aos convites à exaltação física, a versalhada amorosa entre os jovens perdeu seu sentido. Ninguém poeta mais espiritualidades em troca de um beijo de língua. Ninguém obra soneto com fecho de ouro no sutiã na busca da redondilha maior dela. A moda é escrever crônicas, roteirizar o cotidiano e tentar dar grandeza literária à banalidade dos dias. O mundo pesou, é hora de pegar leve. Todos os discursos foram feitos, sem resultado. Vamos cronicar a existência.
Há quem pegue a violência na rua e, o verbo indignado, desanque os governantes, como se fosse um Lourenço Diaféria, um Lima Barreto. Outros, quase todos, Machado também, Clarice então nem se fala, olham o umbigo e, admirados com tanta formosura, mandam brasa no "eu isso" e no "eu aquilo outro". O estilo, sempre ele, é a peneira desse trigo semântico.
São 160 anos desde que Manuel Antonio de Almeida andou pelas ruas do Rio e, relatando as modas, perpetrou aquelas que podem ser as primeiras manifestações do gênero. Cada um fez como achava que devia ser feito, e não há nada mais diferente de um Olavo Bilac do que um Luis Fernando Verissimo. Todos geniais. A crônica fica ali no meio do caminho entre o artigo, a pensata, o ensaio, a reportagem e o conto. Mas tem uma levada subjetiva, uma despretensão, um ar de quem não se leva muito a sério. Imagine João Ubaldo escrevendo de bermuda e sandália diretamente de Itaparica. É isso. Imagine agora Carlinhos Oliveira, meio bêbado, com a máquina de escrever na varanda do Antonio’s.
Entendeu?
Se eu fosse um pouco mais lusitano na sinceridade do verbo, iniciaria a oficina de crônicas na Festa Literária dizendo "respeitável público, leia Rubem Braga" — e imediatamente daria os trabalhos por encerrados, partindo célere para o que de fato interessa em Paraty: a peixada, a cachaçada, a namorada, o trotar sobre pedrinhas ao encontro de alguém que dê sentido à dura labuta de sobreviver ganhando dinheiro no atrito com as palavras.
Eu deveria ser brutalmente sincero e imitar Noel. Crônica e samba não se aprendem na escola. Dizer ao pessoal da Flip que qualquer linha que não seja aguda é crônica — o resto é cada um por si e o prazo contra todos. Eu deveria mandar Detefom no meu lugar. Sair pela piada, outro gênero de sucesso entre os cronistas. Mas passei a infância com o ouvido de golfinho colado nas válvulas em que a Rádio Nacional me mandava a voz de Ataulfo Alves. Cantarolei "Covarde/ Sei que me podes chamar."
Calei-me.
...

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Um comentário:

Lou Vilela disse...

Suas indicações normalmente são ótimas, Fátima. Adorei a crônica! :)

Abraços,
Lou

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