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domingo, 13 de julho de 2008

Paraty, outras histórias

ou veja aqui!

Ainda sobre as igrejas, soube que eram segmentadas pela cor da pele. A Igreja de Santa Rita era para os mulatos libertos, a de Nossa Senhora das Dores era para a elite branca, a Matriz de Nossa Senhora dos Remédios destinada aos trabalhadores e pescadores brancos e a de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, onde rezei para agradecer as bênçãos e graças de todos os dias, era para os negros. Como é a única que fica aberta para as missas, estava lá domingo pela manhã e pude observar que as etnias estavam presentes em comunhão fraterna.

Cheguei e já fui vendo a maré enchendo e tomando conta das ruas, fato comum nos primeiros dias de lua nova ou cheia. A cidade foi assim construída para que houvesse uma limpeza natural. Quando as marés são muito fortes e coincidem com as chuvas, os rios transbordam e as águas ocupam todo o Centro Histórico. As casas são construídas acima do nível da rua por causa das marés.

A antiga vila foi planejada seguindo os padrões portugueses onde as igrejas serviam de balizamento e pólo de atração residencial. As ruas não são retas. A leve curvatura era necessária para evitar que o vento encanado trouxesse doenças como a cólera e a febre amarela e invadisse as casas. As construções são quase todas da cor branca e não há números, algumas contêm ladrilhos com nome dos moradores: Casa de Dona Fulana.

Hospedei-me na Rua Dona Geralda, antiga Rua da Praia e do Mercado, num dos albergues da região, ao lado da Casa de Cultura. Cai por terra a idéia de que no Brasil não há o hábito de freqüentá-los porque havia uma minoria de estrangeiros. O proprietário é inglês e está há oito anos em Paraty, não fala português e nos observa com aquele olhar curioso e indecifrável.

Quis logo saber quem foi Dona Geralda e me contaram uma história de outra paratiense ilustre. Imagine se não pesquiso e ponho a história aqui! Dona Geralda Maria da Silva nasceu em 1807 e faleceu em 1890. Seus pais foram donos da Fazenda Bananal, deixando grande herança em terras, casas, escravos, dinheiro e títulos de dívida ativa. Sem nunca ter casado, dedicou boa parte de sua vida ajudando os necessitados. Foi com sua ajuda financeira que após 86 anos conseguiram finalizar a construção da Igreja Matriz. Em 1882 a Câmara Municipal decidiu homenageá-la colocando seu nome na rua onde morava, a qual modestamente recusou (sem ser atendida). Em 1864 o imperador D. Pedro II a nomeou com o título de Dona Honorária de Palácio pelos “distintos serviços prestados à religião”. Em seu inventário deixou grande parte de sua fortuna para as irmandades das igrejas, para a Santa Casa da Misericórdia, para familiares, amigos e escravos.

Fiquei circulando pela cidade sozinha, embora me encontrasse com a única amiga que foi acompanhada do marido, mas se hospedou em pousada fora do Centro Histórico. Quase fui assaltada quando voltava do show de Luiz Melodia. Saí antes de terminar porque era impossível entrar no banheiro químico às escuras. Era dia da final da Libertadores e as ruas estavam vazias. Ouvi passos, mas não olhei para trás. Enfiei a mão naquela bolsa enorme e rapidamente encontrei a chave. Como tenho o hábito de pensar em voz alta, quero dizer, falo sozinha mesmo, penso que aquele homem forte e negro achou que eu conversava com alguém do outro lado da porta, passou direto, sob o meu olhar, entrando na primeira esquina sem que me fitasse. Um minuto antes, havia colocado algo volumoso nas costas que poderia ser uma arma. Minhas orações diárias a Deus por proteção salvaram-me mais uma vez. Se eu já soubesse dos fantasmas que circulam pelas ruas, teria desmaiado, pensando que fosse um deles! Tenho medo mesmo é da maldade dos vivos, mas minha imaginação me prega muitas peças.

Achei interessante o nome da Rua do Fogo. Perguntei a uma moradora que falou sobre um incêndio. Continuei indagando, algo me dizia que a história não era bem esta, até que alguém sorriu marotamente e contou que era a rua dos prostíbulos para os marinheiros que aportavam. Como faz esquina com a igreja, acredito que a expiação se dava na partida.

Para encerrar, o encontro do rio Perequê-Açu com o mar, embarcações e a bela Baía de Paraty. Ah, preparada para defender a antiga vila dos piratas com o canhão nas mãos!






2 comentários:

H disse...

Fátima, adorei estes posts sobre Paraty.

Fiz até um pequeno comentário no meu blogue recomendando a visita.

Beijo beijo
Hermes

Anônimo disse...

Oi Fátima,

Seus textos são sempre uma viagem... Adorei ler. Rolou até suspense, uau!

Bjusss

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