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sábado, 7 de junho de 2008

Cecília Meireles

Apresentação
Aqui está a minha vida - esta areia tão clara

com desenhos de andar dedicados ao vento.

Aqui está minha voz - esta concha vazia

sombra de som curtindo seu próprio lamento.

Aqui está minha dor - este coral quebrado,

sobrevivendo ao seu patético momento.

Aqui está a minha herança - este mar solitário,

que de um lado era o amor e, do outro, esquecimento.


(Cecília Meireles, Retrato Natural)



Recebi hoje um carinho dobrado: este livro lançado em comemoração ao centenário de nascimento de Cecília Meireles em 2001 e a dedicatória da Leonor Cordeiro.
Lembrei-me imediatamente de um trabalho realizado na ocasião, quando meus alunos compuseram belos poemas inspirados naqueles que selecionei para leitura e produção de texto. Apesar de tudo, ainda acredito, como ela, na educação.
Para quem não acompanhou o concurso realizado pelo blog O Mundo Encantado de Cecília Meireles, este foi o prêmio oferecido pelo melhor texto. Leia os demais aqui. Nem precisava. Somente a alegria de, pela primeira vez, ter exposto "a minha vida, a minha voz, a minha dor, a minha herança", já teria sido o bastante.

Cecília Meireles encontrou na poesia a paz interior.
Eu queria também encontrá-la somente na prosa.
A poesia é para uns poucos iluminados.
Para quem ainda não leu, publico, pela primeira vez, a minha crônica.
Minha casa conta histórias
A casa está lá, viva.
Poucas mudanças. Mamãe, com quase oitenta anos, nos esperando com seu sorriso fácil, comida e ladainha nordestinas.
Tinha um ano quando mudei para a nossa casa. Não precisava de muros, os vizinhos tomavam conta uns dos outros. Na varanda, ouvia histórias, à noite, deitada na rede e olhando para as lagartixas. No quintal, o tronco do abacateiro virava janela e a goiabeira sofria com o balanço e meus sonhos de trapezista. Coqueiro, mangueira, mamoeiro, bananeira, antúrios, samambaias, onze-horas, roseiras, muitos sabores e cores. Oh, deu bem-me-quer!
Galinhas, só para comer os ovos, tínhamos pena de matá-las. Um dia a cabra pariu e fui proibida de assistir. O gato Mamão sumiu e virou tamborim. Nunca mais quis saber desses ingratos. Vários cachorros, todos muito queridos. Tristão e Isolda,o casal de periquitos; Tancredo e Risoleta, os cágados. Isto é uma casa ou um sítio?
Lembro-me do vovô sentado perto da cristaleira, quando veio nos visitar, e dos longos cabelos da vovó Amélia. Compraram uma máquina de costura para minha mãe trabalhar e uma cadeira de balanço para mim. Veio se despedir, foi-se na Semana Santa, antes da cegonha chegar com minha irmã. Parecia uma índia! A fralda de tecido branco luzia em sua morenice.
As brincadeiras eram muitas; os brinquedos, poucos. Tenho o Tonico e a Melindrosa até hoje. Quero uma neta.
A primeira televisão foi a nossa festa e da vizinhança. Casa cheia para assistir às novelas e ao programa do Bolinha.
Meu pai era um construtor de idéias. A ambulância levou seus silêncios e sonhos. Sua bênção, pai. Deus te abençoe, minha filha. Nossas últimas palavras.
Festa junina, formatura, aniversário, casamento, nascimento... Tantas lembranças.
As borboletas sumiram, mas os passarinhos ainda cantam e as maritacas anunciam sua chegada.
O jasmineiro ainda perfuma a noite. Onde estão os vaga-lumes?
Cada canto guarda seus segredos, sorrisos e lágrimas.
Há mistérios por desvendar.
Minha casa conta muitas histórias para quem quiser ouvir e sonhar.
Fátima Campilho

4 comentários:

Anônimo disse...

Oi Fátima .
Conheci este texto caloroso quando voc~e, merecidamente, foi premiada.
São estas histórias, tão sagradas em sua simplicidade, que fortalecem sua Palavra de contadora de histórias. Senti saudades da minha casa e dos bichinhos que lá moravam - periquitos, peixes, cachorros e um papagaio bem falador...
Suas memórias despertaram as minhas.

um grande beijo
Eliana Ribeiro

Leonor Cordeiro disse...

Querida Fátima,

Fiquei muito feliz com a sua participação, parabéns pela vitória !
Sua presença foi sempre constante no MUNDO ENCANTADO DE CECÍLIA MEIRELES e seus comentários sempre
demonstraram sua atenção e carinho.
Um grande abraço para você !!!

Leonor Cordeiro

Eni disse...

Fátima,

Quintal de encantamentos e sonhos, na simplicidade pura e deliciosa de cada detalhe. Que lindo, amada, você me fez viajar! Voltei no tempo, e vi a minha própria infância refletida ali... Quantas coisas nos aproximaram à distância, no tempo e no espaço...
Quando foi que nossas vidas se entrelaçaram mais estreitamente:agora, ou na casa da meninice? Minha goiabeira, a rede, a máquina de minha mãe, os livros e as histórias de minha avó... Vieram cheiros, perfumes, cânticos, cirandas... tudo girando na teia encantada das palavras deliciosos desse texto mágico!

Beijos e um grande abraço! Parabéns!

Marli Fiorentin disse...

Oi Fátima!
Lindo texto! Lindas lembranças. Traz uma nostalgia, vontade de viver tudo de novo e de que nossos filhos possam tambémn ter o que lembrar um dia, de forma tão intensa.

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