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terça-feira, 20 de novembro de 2007

Fórum das Letras em Ouro Preto II








Afastei-me do mundo acadêmico há muito tempo. Ao avistar o grande lago, a confusão quis se instalar. De peito estufado e bico levantado, deslizei em suas águas com desembaraço porque sempre estivera ali. Recordei e antevi os próximos mergulhos. Estávamos em sintonia: veteranos e jovens escritores, cineastas, músicos, artistas e público, todos comungavam do mesmo pão, da mesma necessidade: a arte em todas as suas possibilidades de expressão.
A programação era farta e variada. Não foi possível participar da maioria das atividades culturais e literárias paralelas, entre as quais a Via Sacra Poética e o Fórum das Letrinhas,nem visitar as exposições realizadas nas calorosas manhãs. Também não comprei livros porque o desconto para professor não era o usual e não era permitido dividir em infinitas prestações. A frase feita é aplicável à situação: nada é perfeito. Voltei com pedra-sabão e sem livros na mão.
Ouvir os arranjos de Tabajara Belo ao violão no Museu do Oratório e a aula-show "Nas Palavras das Canções" com José Miguel Wisnick e Arthur Nestrovski foram momentos indescritíveis. Definitivamente, não conhecemos a música brasileira de qualidade.
Acompanhar "O Barão das Árvores - Mambembe: Música e Teatro Itinerante" pela Rua Direita ,dançando e cantando, e participar do espetáculo no Largo do Cinema foi alimento para o corpo e para a alma. E o Grupo de Percussão na Praça Tiradentes? Somos essencialmente musicais e precisamos assumir outros papéis para continuar representando o nosso. Somos atores na arte de viver.
Não sei se será possível contar as histórias que ouvi. Por enquanto, ficam guardadas. Preciso, silenciosamente, seguir os passos do processo de criação de cada artista. Cada um tem o seu modo de buscar a palavra, de expressar o seu mundo interior, de re-criar a realidade.
Não há verdades absolutas, apenas a vontade arrebatadora de voltar para esse lugar. Dirijo-me à estação, escolho uma cadeira e olho para o palco. O espetáculo precisa continuar.
No próximo post, divulgo os nomes de todos os participantes das mesas de debates, porém sugiro visita ao site do Fórum das Letras.
Créditos das imagens: Ana Lúcia e Fátima.

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Fórum das Letras em Ouro Preto I



Fórum das Letras em Ouro Preto, parceria perfeita!

Leio e releio as anotações feitas no Centro de Convenções da UFOP durante o Fórum das Letras 3ª edição: Escritas Híbridas. De acordo com a receita, bati os ingredientes, mas abusei na dose. Saí hipnotizada com a cidade e o evento.
Visitar Ouro Preto foi um exercício de reencantamento. Fiz uma viagem no tempo e redescobri o lugar, tal qual uma bandeirante solitária que buscava um outro tipo de mina ao encontrar a “Pedra e o Menino”, o Pico Itacolomi.
Nas manhãs, ocupava-me em reconhecer a cidade. Observei sua paisagem natural e a modificada pelo homem. Admirei sua arquitetura colonial e a arte barroca em algumas de suas igrejas. Revivi sua história. Respirei sua religiosidade. Participei de sua intensa atividade cultural. Ouvi suas lendas.
Fiquei numa hospedaria que exalava história, fora arquivo público. Da janela, via as construções populares e a Igreja de Santa Efigênia me atraía; foi no caminho que conheci a Mina Fonte Meu Bem Querer. Pude ver e tocar nos veios de ouro que enriqueceram a nobreza e exploraram o povo. Os sinos da Capela de Padre Faria tocavam, assim como os de outras igrejas anunciando Finados. Há um cemitério em cada igreja e uma forte energia paira sobre elas. Rezei em todas . Assisti à missa na Igreja de N.S. da Conceição distraidamente encostada no túmulo de Antônio Francisco Lisboa, o genial Aleijadinho. Só percebi muito depois. Se isso não tivesse acontecido, todos estranhariam. Sempre tenho algo pitoresco para contar.
Senti muita emoção diante dos restos mortais, recolhidos no exílio, dos inconfidentes e, principalmente, da madeira da forca de Tiradentes, do vazio do túmulo.
Vibrei ao observar onde os negros escondiam ouro nas minas para construírem suas igrejas e defenderem seus interesses. Ah, Chico Rei! Negro bom e valente. Monarca na África, escravo no Brasil, comprou sua liberdade e a de seus súditos. Morreu respeitado.
Procurei Marília de Dirceu do Mirante e da Ponte Antônio Dias. Queria suspirar! O chafariz estava seco! Mas quando cheguei ao Largo de Marília, diante de sua casa, senti-me traída por Tomás Antônio Gonzaga que esqueceu Maria Dorothea e casou-se com a filha de um mercador de escravos em Moçambique. Seus restos estão no museu, unidos na História. O encanto ficou apenas na poesia. Mais uma vez, sonho e realidade se cruzam.
Ouro Preto... Experimentei seu dia-a-dia com todos os sentidos. Cheirei sua terra molhada, pisei no seu antigo calçamento, provei o seu tempero, suei nas íngremes e estreitas ladeiras, haja fôlego, quis me debruçar em suas janelas e abrir suas portas, ouvi o apito do trem a caminho de Mariana e não me importei com o pio da coruja na primeira noite. Fazia ninho para seus belos filhotes. Noutra noite acordei sobressaltada com os gritos de um homem que chamava por vários nomes de mulher. Parecia invadir o local. Pensei tratar-se de um fantasma enamorado de uma das moças que viveu no lugar. Pela manhã o portão estava no chão. Preferi manter o sabor do mistério.

Foi uma revelação. De Ouro Preto ninguém sai o mesmo.
Créditos: Fotografias de Fátima e Ana Lúcia.
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