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sexta-feira, 14 de março de 2008

A Arte de Contar Histórias










Tenho participado de muitos eventos e nem sempre tenho tempo de compartilhar tudo. Em novembro do ano passado, assisti no Centro Cultural Banco do Brasil à palestra e mesa redonda Práticas e Reflexões com Educadores sobre a Arte de Contar Histórias. Entre outros, lá estavam Andréa Pinheiro dos Tapetes Contadores de Histórias, Ninfa Parreiras,da FNLIJ, escritora e psicanalista, e Francisco Gregório Filho, contador de histórias e escritor.

Preciso comprar um gravador porque fica complicado, depois de tanto tempo, transcrever aqui algumas falas anotadas. Por que estou então contando sobre o fato?

O tempo foi escasso para cada palestrante relatar suas práticas, tecer comentários sobre o tema proposto e responder a todas as perguntas enviadas à mesa. Ficaram de enviar por e-mail as respostas. Já tinha até esquecido a promessa! Chegou há alguns dias todas as respostas às dezesseis perguntas. Gostaria de publicar tudo. São aulas generosas que só os contadores de histórias sabem dar.

Perguntei:

Os contadores de histórias são vistos como "animadores" pela maioria dos educadores e público. São "marqueteiros de livros" para os livreiros. No meio acadêmico, a literatura oral é vista com reservas. Consideram-na pitoresca, nativista, folclórica, "menor" por reforçar o caráter "colonizado" diante do "colonizador". Literatura escrita deve ter temática universal e literatura oral, regional? Particularmente, não gosto de contadores de histórias narrando contos com autoria. Penso que a pesquisa da literatura oral de vários povos deveria ser priorizada e defendida pelos contadores. O que pensam disso?

Responderam:

Cara Fátima ,

A Literatura Oral é fonte para Literaturas escritas. A Literatura infantil tem suas origens na oralidade. Mas há preconceitos e rótulos, que devemos combater na nossa prática de educadores. Todos deveriam ter seus espaços na cultura: a literatura oral, os contadores de histórias... No Brasil e no mundo, hoje, há uma tendência em se valorizar a literatura dos nativos, porém devemos ter cuidado com o mercado que explora isso de uma forma desenfreada
Abraços, Ninfa Parreiras.


R(Andrea): Querida Fátima, você levanta muitas questões. É verdade que, muitas vezes, os contadores são vistos como animadores e isso é sempre um risco. Por isso é que temos sempre que procurar as melhores condições e os melhores locais de trabalho. A experiência de nosso grupo já nos mostrou lugares em que conseguimos realizar um bom trabalho sem esse cunho de animação. Em todo caso, você tem razão, há muitas vezes essa visão. Nessas horas, me lembro do que disse a Inno Sorsy, contadora africana: ela acha uma loucura a existência da profissão de contador de histórias; na opinião dela, só existimos porque os pais e avós pararam de contar histórias aos seus filhos e netos. Para ela, quem tem que contar histórias é a família e não o contador profissional. As críticas à literatura oral, também sabemos, é grande, mas, na minha opinião, não vejo problema algum em contar histórias populares ou autorais, para mim, todas são válidas. E quanto à pesquisa dos contadores, creio que o fio condutor de um trabalho deve ser sempre aquilo de que o contador mais gosta, independente da sua origem.

Vamos lá:

Animadores: são vistos assim mesmo, muito pelo fato de não sermos uma classe organizada. Precisamos discutir sobre isso, uma associação de contadores de histórias. Mesmo que não haja a criação de uma, mas a inserção em organizações já existentes como o SATED, por exemplo.

Se a gente pensar bem, a gente vai lembrar que os atores até o início do século XX eram vistos marginalmente. E se organizaram. Hoje são reconhecidos como um mercado.

A gente tem de começar a se olhar como um mercado também. Com muito amor, muita dedicação, mas com um olhar de produção, pra conseguir modificar o olhar do público perante a nossa categoria.

Independente do trabalho que realizarmos (em festas, em lançamentos de livros, em teatros), temos de ser respeitados.

Daí, isso leva a outra reflexão: ao nos organizarmos enquanto categoria, qual será a natureza do objeto do nosso trabalho: histórias da tradição oral, contos autorais, literatura clássica?

Não tenho essa resposta, mas tenho opinião.

Conto pela beleza da história. Quando ela encontra espelho em mim, eu conto.

Hoje a gente tem um problema (pra gente, pros autores não): o direito autoral.

Por sobrevivência, é capaz de o objeto de atuação do contador se restringir às histórias de tradição oral por conta do direito autoral. A gente não tem $ pra tanto.

Por beleza estética, é uma pena. Pois há histórias contemporâneas que são dignas de serem chamadas de mitos.

E é uma pena... salvo algumas exceções.

Eu amo o conto “A moça tecelã”, da Marina Colasanti.

Contava, contava, até que falaram: tem que ter permissão.

Ok! Fui pedir permissão.

E ela, a Marina, linda, responde: “os contadores contam livres como passarinhos!”

Mas isso é ela.

Muitos não gostam, mesmo! Podem até dar permissão, mas não gostam.

É uma pena. Pois seríamos parceiros, humanos, educativos, enfim.

Voltando: falei de algumas histórias contemporâneas merecerem o título de mito. Por quê?

Por que elas trazem ao leitor o mistério, o inefável, o inexprimível. Mas que reverbera dentro da gente. Encontra cama dentro da gente.

Há muita história hoje em dia que não. Pode ser protegida, ser chamada de Literatura. Mas, na minha opinião, não é não. Não estimula o mínimo de transformação naquele que lê. É só pra ler, burocraticamente. E obra de arte tem de transformar o fruidor, nem que seja um pouquinho só (e que já é muito!).

Em um artigo transcrevi a Clarice Lispector e minha opinião. Trago aqui:

Em uma entrevista, Clarice Lispector, quando perguntada sobre o que esperava mudar com os seus textos, disse: "Nada. Não acredito que a Literatura possa mudar nada".

Nada. A história, a Contação de histórias, não muda nada.

Acrescenta. A Contação de histórias (leia-se aqui todos os gêneros cênicos e de outras artes) acrescenta sentidos, percepção, criação.

Principalmente na contemporaneidade, quando a sociedade ocidental oferece ao indivíduo um número ínfimo - contável nos dedos de uma mão, talvez - de ritos de passagem.

Acredito assim: que devemos contar histórias para acrescentar. Qualquer que seja a sua origem.

Obrigada a todos.

Até a próxima história

Tatiana Henrique

HTTP://mundoazulth.blogspot.com

Tatiana Henrique é da equipe do setor educativo do CCBB e era a mediadora da mesa. Respondeu magistralmente às perguntas encaminhadas ao mestre Francisco Gregório Filho. Fiquei satisfeita com os esclarecimentos e verdadeiramente agradecida a todas pelo acolhimento. Até a próxima história!


Um comentário:

Mundo Azul disse...

Olá, Fátima!

Ótimo saber que compartilhamos o gosto pelas cores e pelas histórias. Fico muito feliz mesmo por dividir minhas opiniões e as colheitas que tenho feito em meus caminhos.

Abraço grande e até as próximas histórias!

Afeto sempre,

Tatiana

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