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domingo, 9 de outubro de 2005

Professores e Alunos




Um professor, uma mulher e uma flor



A Terceira Guerra Mundial, como todos sabem, trouxe o colapso da civilização.Megalópoles, cidades, vilas e aldeias foram destruídas e até mesmo o campo foi devastado pelas granadas atômicas. A maior parte das pessoas morreu e os poucos sobreviventes, aturdidos, perderam os estímulos para a vida e os resquícios da auto-estima. O trabalho foi abandonado, os animais sobreviventes caíram sobre o que restava de alimento e a fome se abateu sobre as ruínas. Pior que isso: sobrava a desilusão e o fim de toda forma de esperança.Um dia, uma jovem, que nunca havia visto uma flor, descobriu a última, que nascera entre os escombros. Encantou-se e buscou cúmplices para descobrirem estratégias para fazê-la sobreviver. Passou por muitos, mas não encontrou ninguém. Quando, desiludida, voltava à sua flor, encontrou um jovem professor que se interessou por sua história.Juntos, foram até a última flor. Com infinita paciência e renovados pela ternura, construíram toscos meios para protegê-la dos resíduos químicos e dos animais famintos. A pequena flor sobreviveu e transformou-se em sementes; ao seu lado, surgiram outras flores e, depois, mais outras. Após algum tempo, um canteiro florido recobria, como uma ilha, o espaço desolado. A jovem fez-se aluna e começou a se interessar por sua aparência e o rapaz assumiu sua missão de mestre e aprendeu a cuidar-se. Construíram um abrigo ao lado do canteiro e, aos poucos, outras pessoas descobriram beleza no singelo espaço. Surgiu uma escola e, de suas aulas, uma vila. Foram criadas novas profissões. A alegria e a esperança voltaram a reinar entre os homens.A cidade foi reconstruída em torno da escola e do canteiro, e as lições e as flores passaram a expressar seus símbolos. Logo, poetas, agricultores, cantores, naturalistas, músicos, mímicos, malabaristas adotaram a cidade. Líderes, também líderes. As pessoas que viviam nas planícies passaram a reclamar direitos sobre as colinas; e os moradores destas, a lutar pela posse da planície. Surgiram guerreiros, sargentos, políticos, lutadores, comandantes e matadores.A guerra tornou-se inevitável e desta vez a destruição nada deixou sobre os escombros.Nada restou, apenas um professor, sua aluna e uma flor.
Esta bela parábola foi adaptada de um monólogo de Bertold Brecht. Ensina que um professor e seus alunos constituem o símbolo da reconstrução e a singela flor da esperança.


Antunes, Celso. Marinheiros e Professores. Editora Vozes.

domingo, 2 de outubro de 2005

Sem Preconceito



Boas maneiras

A cansada ex-professora se aproximou do balcão do supermercado. Sua perna esquerda doía e ela esperava ter tomado todos os comprimidos do dia:para pressão alta, tonteira e um grande número de outras enfermidades.
“Graças a Deus eu me aposentei há vários anos”, ela pensou. “Não tenho energia para ensinar hoje em dia.”
Imediatamente antes de se formar a fila para o balcão, ela viu um rapaz com quatro crianças e uma esposa, ou namorada, grávida. A professora não pôde deixar de notar a tatuagem em seu pescoço.
“Ele esteve preso”, pensou.
Continuou a observá-lo. Sua camiseta branca, cabelo raspado e calças largas levaram-na a conjecturar:
“Ele é membro de uma gangue.”
A professora tentou deixar o homem passar na sua frente.
-Você pode ir primeiro - ofereceu.
-Não, a senhora primeiro - ele insistiu.
-Não, você está com mais gente – disse a professora.
-Devemos respeitar os mais velhos – defendeu-se o homem.
E, com isto, fez um gesto largo indicando o caminho para a mulher.
Um breve sorriso adejou em seus lábios enquanto ela mancou na frente. A professora que existia dentro dela não pôde desperdiçar o momento e virando-se para ele, perguntou:
-Quem lhe ensinou boas maneiras?
-A senhora, Sra. Simpson, na terceira série.

Paul Karrer
In: Histórias para aquecer o coração. Editora Sextante.
Imagem retirada do site http://www.canalkids.com.br


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